O planeamento de uma viagem é algo que efetuamos muitas vezes de forma não muito consciente, por exemplo, quando nos certificamos de que temos combustível suficiente no carro para nos deslocarmos até determinado local ou quando decidimos sair de casa a uma determinada hora para chegar a tempo ao nosso destino. Ao sairmos para o mar, um planeamento tão despreocupado poderá não ser uma boa ideia. Ficar sem combustível durante um passeio no meio do rio ou do mar é um problema que não é tão fácil de resolver como quando o mesmo acontece numa ida para o trabalho, onde podemos encostar o carro numa berma e caminhar poucos quilómetros até à bomba de combustível mais próxima.
O planeamento de uma viagem marítima, numa embarcação de recreio, é um documento mais ou menos extenso consoante o tipo de viagem, onde deverá ser incluída toda a informação necessária que permita uma viagem e navegação seguras. Não existe uma estrutura pré-definida que seja aplicável a todos os tipos de viagem e a todos os tipos de embarcações. No geral, deverá ser um documento que nos ajude a verificar se estamos prontos e em segurança para realizar a viagem. Poderá ser composto por um conjunto de listas de itens a verificar antes da partida ou algo mais elaborado e completo como um estudo exaustivo da embarcação, tripulação, rotas e ajudas à
navegação.
De forma a exemplificar possíveis planeamentos, diferencio aqui três tipos de viagens (de acordo com as cartas de navegador de recreio):
– viagens locais (passeios em águas abrigadas, distâncias curtas),
– viagens costeiras (viagens ao longo da costa, com vista de terra),
– viagens de alto mar (viagens de longa distância, ao largo ou travessias oceânicas).
Existem aspetos do planeamento que são transversais a todas as viagens, como o conhecimento da embarcação, o seu estado, as suas características, localização de equipamentos de ajuda à navegação, bem como equipamentos de emergência e salvação (localização dos mesmos, estado, validade e forma de utilização). Tal como é importante saber qual o conhecimento da tripulação que segue a bordo, quais as suas competências e valências. Nas viagens locais, saídas de curta duração e distância, passeios de uma tarde ou um dia, por mais pequenas que sejam, é necessário um planeamento mínimo. É necessário verificar o estado meteorológico (temperatura, vento, precipitação, visibilidade, no momento da partida e previsões para as próximas horas), as marés (nível da maré à saída e à chegada no porto, bem como a corrente), o nível de combustível e alimentação.
Em viagens costeiras, a duração aumenta e a distância à costa também poderá aumentar. É provável que a viagem decorra por um período superior a 24h sem paragens, o que implica um nível de planeamento mais detalhado. Neste tipo de planeamento já é importante a consulta e análise das cartas de navegação, uma vez que se trata de uma navegação costeira. Em relação à meteorologia será necessária uma análise mais profunda das previsões para as diferentes zonas do percurso e também do local de destino. Será importante ter conhecimento da maré do porto de saída e do porto de chegada, bem como de possíveis portos de arribada (portos que se situam perto da rota definida e que poderão ser úteis em caso de necessidade de paragem não programada). Será necessário delinear uma derrota, ou seja, calcular a distância a percorrer e, de acordo com a meteorologia, prever quanto do percurso será realizado a motor e à vela, no caso de a embarcação ser um veleiro. Saber qual a capacidade do depósito de combustível e o consumo para uma velocidade média será útil para calcular a quantidade de combustível necessária para a viagem. Neste ponto é importante não levar apenas o combustível essencial, mas, se possível, o suficiente para realizar a viagem totalmente a
motor e até um pouco mais. Para além do combustível será também importante o abastecimento de bens alimentares para a duração da viagem.
Como será expectável, uma viagem em alto mar, de longa distância, ao largo ou uma travessia oceânica implicam um planeamento bastante mais exaustivo e detalhado. É importante conhecer bem a embarcação, todas as suas características e localização de equipamentos. Conhecer o funcionamento dos sistemas elétrico, de gás e de água, bem como manuais de instruções para pequenas reparações ou substituições de peças que sejam necessárias realizar, uma vez que não existe uma oficina ao virar da esquina. É importante numa viagem desta dimensão ter conhecimento de diferentes procedimentos de emergência, de como atuar em diferentes cenários de emergência, como um rombo,
quebra de mastro, incêndio a bordo, entre outros. Neste tópico também é de salientar a importância da elaboração de uma rede de contactos de emergência médica que possam ser contactados durante a viagem ou que se encontrem perto dos portos de chegada ou arribada. Será também essencial dedicar uma secção às comunicações, onde deverão ser listados todos os equipamentos disponíveis a bordo, bem como manuais de funcionamento ou esquemas de rápida consulta, para o caso de ser necessário efetuar um pedido de socorro ou urgência. Atualmente é cada vez mais viável a
utilização de um telefone satélite que permitirá um contacto diário com uma equipa de apoio em terra (elemento pertencente à tripulação, que pode fornecer apoio a partir de terra, como atualizações de previsões meteorológicas, contacto familiar, entre outros), devendo ser previamente estabelecido o horário e a periodicidade das comunicações.
Em relação à tripulação é necessário definir quartos e funções, quem é o skipper e quem se encarrega do quê durante a viagem. É muito importante esta divisão de tarefas numa viagem com várias pessoas ao longo de vários dias em que a convivência será de 24h sobre 24h. Uma das partes mais importantes de um planeamento de uma viagem de longa duração será o aprovisionamento, tanto de combustível, água, gás, como de alimentação. Terá de ser feita uma gestão e planeamento bastante minucioso sobre consumos médios de combustível e água, conhecer a capacidade dos depósitos e o espaço disponível para levar em jerricans o que não cabe nos depósitos. Em algumas situações poderá ser necessário estabelecer limites para o uso do motor e de quantidades de água, limitando por
exemplo os banhos.
Em termos de alimentação é muito importante estabelecer um menu de refeições principais a confecionar durante a viagem, nomeadamente saber o que comer em caso de mau tempo, naqueles dias que não se possa cozinhar. A capacidade do frigorífico irá estabelecer o tipo e quantidade de alimentos frescos/congelados que se podem levar.
Por último, o planeamento de uma viagem propriamente dito. Estabelecer derrotas, definir e estudar os portos de partida e de chegada, no que respeita às suas características, localização, aproximação, batimétrica e perigos, identificar pontos de passagem e portos de arribada. Consultar cartas de navegação das áreas a navegar, bem como os respetivos avisos aos navegantes para possíveis alterações. Analisar informação sobre ventos e correntes predominantes através das cartas piloto. Efetuar um planeamento meteorológico, estudando as previsões meteorológicas de vento e mar para as áreas abrangidas e catalogar canais de recolha para a obtenção de informação meteorológica durante a viagem. Este planeamento poderá ser feito com base em ferramentas de roteamento meteorológico, atualmente disponíveis através de diversas aplicações e software, onde é possível, estabelecendo vários parâmetros, planear e definir a rota que melhor se adequa às condições meteorológicas previstas. Ter em consideração também que as condições que realmente se verificam no mar muitas vezes não coincidem com as previsões e que é necessário estar preparado para uma adaptação às diferentes condições, tentando de alguma forma prever possíveis cenários e formas de os enfrentar. Identificar todo o tipo de ajudas à navegação, como listas de faróis, com respetivas localizações e características, tráfego marítimo, esquemas de separação de tráfego, áreas marítimas abrangidas pelo Sistema Mundial de Socorro e Segurança Marítima, contatos dos Centros de Coordenação de Busca e Salvamento Marítimo para as áreas a navegar.
Em planeamentos de viagens de longa distância é de ressalvar a importância que se deve dar à redundância, especialmente em termos de navegação, no que diz respeito a diversos softwares/aplicações de navegação, roteamento e previsões meteorológicas, bem como a sistemas de alimentação para os diferentes dispositivos utilizados na navegação, como baterias, pilhas, carregadores portáteis, painéis solares, entre outros. Pensar sempre no pior cenário é um bom ponto de partida para a elaboração do planeamento. Estar precavido para a pior situação permite-nos ultrapassar a maioria das imprevisões de forma serena. Muitos dos itens assinalados são estudados e analisados para um primeiro planeamento e posteriormente repetidos sem alterações (como o conhecimento da embarcação, os procedimentos de emergência ou comunicações). Outros, por sua vez, irão variar de viagem para viagem e terão de ser planeados atempadamente e de forma ajustada ao tipo de viagem.
Os planeamentos poderão ser elaborados como um ficheiro, que, acreditem, nunca estará totalmente concluído, … não conseguimos prever todas as situações e dificilmente o mesmo nos irá ajudar na totalidade das situações, mas o importante é que ele exista e, caso seja necessário, esteja lá para o consultarmos. Partes do planeamento poderão ser impressas e estar disponíveis para uma consulta rápida, como listas de verificação, briefings de procedimentos de emergência, mapas de localização de material e equipamentos. Podendo ser o planeamento um documento extenso, a totalidade do mesmo poderá apenas encontrar-se disponível informaticamente. Grande parte do planeamento (quando falamos de planeamentos de viagens de alto mar), será um conjunto de informações que poderão vir a ser úteis em situações que pretendemos e esperamos que não aconteçam. Por exemplo, uma lista exaustiva de faróis e luzes de enfiamento ou todos os portos que possamos encontrar ao longo do percurso, será elaborada para o caso de, por algum imprevisto, ser necessário dirigirmo-nos para terra num determinado momento da viagem em que tal não estava previsto. Por outro lado, há partes do planeamento que podem ser mutáveis, nomeadamente em termos de aprovisionamento, no que respeita à gestão de stocks. Irá com certeza ajudar saber o que temos e não temos disponível a bordo, de forma a que o abastecimento de bens essenciais seja feito nas quantidades necessárias.
Para que todos os nossos passeios, viagens ou travessias sejam realizados em segurança é necessária e desejada uma preparação atempada. A elaboração de um planeamento irá tornar a experiência de navegação mais segura, tranquila e descontraída, permitindo que se desfruta ao máximo o prazer da viagem.
Inês Vital
Formadora
Treino de Mar
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